Como o blog é sobre Comunicação, hoje resolvi falar sobre um assunto que tem tudo a ver: 

  O RÁDIO  


Foi ele que me trouxe até aqui; foi com ele que eu aprendi a me comunicar com as pessoas mesmo estando sozinho num estúdio; foi por causa dele que eu entrei neste mundo da comunicação e comecei este blog; e é por ele que decidi escrever hoje.

Infelizmente o motivo que me fez tomar esta decisão não é dos melhores. Não é para comemorar um faturamento maior da mídia rádio frente às outras. Não é para festejar com os colegas de profissão que estivessem começando em novos empregos, em novas emissoras, em novos desafios. E muito menos para falar sobre um salto de qualidade no dial carioca.


  RADIALISTA PRESO NO ESTÚDIO DA RÁDIO  


Ontem o ex governador Anthony Garotinho foi preso pela Polícia Federal acusado de compra de votos nas últimas eleições na cidade de Campos, estado do Rio. Não é a primeira vez que isso acontece (pela mesma acusação já é a segunda vez), mas agora um fato chama a atenção: ele foi preso dentro da rádio Tupi, enquanto apresentava seu programa na emissora.

Veja bem: nenhum problema em prendê-lo dentro da rádio. É a mesma coisa que se fosse dentro de um escritório ou dentro de um banco ou dentro de uma loja onde ele trabalhasse. Absolutamente nada contra. Mas para o rádio é uma desmoralização e tanto. Menos mal que tenha sido o Garotinho, que não tem uma reputação muito positiva mesmo. Pior seria se fosse outro radialista sobre quem não pairasse nenhuma desconfiança. Mas eu quero falar é do rádio, e não do ex governador.


  UM MOMENTO DELICADO  


O rádio no Rio de Janeiro está num momento extremamente delicado. E também não poderia ser diferente, porque se o Brasil está ruim e o estado do Rio está pior ainda, não seria o rádio que iria se salvar. Mas o fato é que o rádio carioca não está assim apenas por causa da crise econômica. Eu diria que esta nem é a principal causa. Vamos analisar os fatos e creio que muita gente vai concordar comigo.

Tenho 34 anos de rádio. Já fiz "de tudo um pouco" neste veículo tão amado por tanta gente e posso falar o que quiser porque o conheço bem, por dentro, praticamente durante toda a minha vida profissional. Podem discordar de minhas opiniões, mas ninguém pode dizer que eu não sei o que estou falando. 

Já vi e vivi muitas fases do rádio carioca: fases de sucesso, de concorrência acirrada, de crescimento, de marasmo, fases boas, fases ruins. Trabalhei em algumas das maiores empresas do ramo no Rio e, graças a Deus, sempre fui um profissional querido e respeitado. Não posso reclamar do rádio, onde sempre ganhei salários bem acima da média do trabalhador brasileiro. Mas o que estou vendo hoje, eu nunca tinha visto.


  O QUE HÁ DE BOM ACONTECENDO?  


Qual foi a última coisa boa que aconteceu no rádio carioca? Qual o último grande 'acontecimento' positivo criado por uma rádio? E não venham me falar que é culpa da internet, das redes sociais, dos "Spotify" da vida: uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

O que vemos hoje (ou ouvimos, pra ser mais exato) é de uma pobreza descomunal. E antes que alguém diga que "Ele só está falando tudo isso porque está fora do rádio", eu já me posiciono: quando eu ainda trabalhava na Nativa (e, portanto, na Tupi) eu já achava isso, eu já via isto acontecendo, e meus colegas também comentavam a mesma coisa. Mas nesses quase dois anos a coisa piorou. E muito!

Quantas rádios temos hoje no ar que podem ser consideradas "importantes" no mercado? Não chegam a 10. Temos a FM O Dia, a Melodia, a Tupi, a JB FM, a Band News, a Mix... Só para citar ‘cada uma no seu quadrado’. Uma mais popular, outra mais jornalística, outra mais adulta, outra mais jovem e etc.

A Melodia foi a primeira rádio onde eu trabalhei. Comecei lá em 1983, quando a rádio ainda era em Petrópolis (e de onde não deveria ter saído se as leis funcionassem neste país de m...). Saí quando ela foi comprada pelo Francisco Silva, que na época não tinha nada de evangélico. Hoje acho que é 'pastor' Francisco Silva. Como não sou evangélico e não ouço a rádio, não posso falar dela. O que sei é que tem uma enorme audiência, uma audiência verdadeiramente "fiel". Ponto.

A FM O Dia se mantém no topo há muitos e muitos anos. Mérito dos que já passaram por lá e conseguem manter o nível do trabalho. Não ouço a rádio porque não gosto da programação, mas não tenho absolutamente nada contra, porque sei que existe público de todos os tipos e é assim mesmo que o rádio deveria ser: variado, com opções para todos os gostos. Só acho que se eles estão há tanto tempo no topo é porque a concorrência não está fazendo seu papel como deveria.


  CADÊ A CONCORRÊNCIA?  


Então, que rádios a FM O Dia tem como concorrentes, hoje, no seu segmento? Já teve a 98 FM, já teve a Nativa. Hoje tem a Rádio Mania e a Fanática (Ô nome!), cópias da rádio que elas deveriam "derrubar". Eu sempre disse uma coisa: se você quer combater a FM O Dia não pode ser com as mesmas armas que ela já usa há anos. Não é você que está chegando agora que vai saber usar estas armas melhor que ela. Portanto, a não ser que a própria FM O Dia cometa uma grande besteira, continuará onde está por muito tempo ainda.

Falando em besteiras, eu lembro de Tupi e Globo. As duas, que eram as maiores rádios AM desde muitos anos, pelo que parece resolveram ultimamente disputar uma batalha pela maior besteira já feita no rádio. Deve ter algum troféu em jogo, só pode! A Tupi começou arrasando na competição, graças à alta direção do grupo Associados, dono da emissora, que resolveu gastar dinheiro sem ganhá-lo. Como qualquer dona de casa ou pai de família sabe, isso não dá certo.


  LIÇÃO DE ONDE CORTAR CUSTOS  


Mas empresário que se preza sabe o que fazer nestes casos, e os que comandavam as rádios Tupi e Nativa começaram logo a cortar despesas: pararam de pagar fornecedores, deixaram de depositar o FGTS dos funcionários, começaram a atrasar os salários. Só supérfluos. Isso depois de ter vendido um prédio que sempre serviu muito bem às rádios para comprar outro que exigiu milhões em obras para passar a servir.

Como as contas teimavam em não fechar, resolveram dar uma cartada de mestre: acabar com a Nativa, a 5ª ou 6ª maior audiência do Rio, não me lembro bem. Mas mantiveram funcionando o Jornal do Commércio, que ninguém lia e muito menos comprava, até decidir fechá-lo um ano depois, quando a vaca já estava instalada e adaptada no brejo faz tempo. Aí você pensa "Caramba, a Tupi já estava com a mão na taça, então?!". Calma... Você não contava com a astúcia da concorrência!


  A 'REAÇÃO' DA RÁDIO GLOBO  


Pois a rádio Globo e o todo poderoso Sistema Globo de Rádio não deixariam essa disputa fácil e decidiram se mexer. Depois de acabar com a 98 FM em etapas (primeiro mudando o nome da rádio para Beat 98) e com a Globo FM, resolveram usar a maior arma que tinham contra a Tupi: a própria rádio Globo. E já que estava em jogo a maior besteira já feita na história do rádio, porque não mandar os grandes radialistas embora e colocar no lugar pessoas que não entendem nada ou muito pouco de rádio? A começar pelo comandante do barco? Jogada de mestre!

Foram tão "competentes" que, mesmo a Tupi ficando um mês só tocando música devido à greve dos seus funcionários, que não recebiam salário há meses, nem assim a Globo conseguiu derrubá-la de vez. A Tupi deu um jeito de acabar com a greve (mesmo sem acertar os salários!), voltou ao ar capenga e já está alardeando seus feitos nas pesquisas de audiência.


  E O RESTO DO MERCADO...  


Além dessa disputa entre as duas ainda temos rádios com horários retransmitidos de São Paulo, outras com horários sem locução, salários baixíssimos, gente inexperiente em todas as funções, e por aí vai. E com isso o rádio do Rio, que era o segundo mais importante do Brasil, vai perdendo seu lugar para outras praças. Belo Horizonte, por exemplo, não está tão mal. E Goiânia, graças aos sertanejos e ao agronegócio, está num bom momento.

Sem falar na baixa qualidade de quem está à frente dos microfones. Outro dia ouvi uma locutora anunciar um espetáculo que estava em cartaz no (atenção para a pronúncia) “teatro Baden Pôuel”. Isto numa rádio que fala para uma audiência qualificada fica ainda mais grave.

Ninguém tem obrigação de saber tudo ou de conhecer tudo, mas uma profissional que tem o microfone de uma rádio à sua frente tem, sim, a obrigação de não falar errado no ar. Vamos admitir que ela nunca ouviu falar no músico Baden Powell (o que já é um absurdo para quem trabalha na música) e também nunca ouviu o nome do teatro. Mas se não conhece, poderia perguntar a alguém antes de falar. No mínimo faltou humildade e discernimento para admitir que não sabia.


  MEA CULPA  


O que quero demonstrar com isso é que não é caso de se culpar a internet ou os aplicativos de música digital. O rádio está ruim NO RIO, e a culpa é dos profissionais que fazem o rádio. E eu me incluo nisso. Embora esteja fora atualmente, enquanto estive lá, principalmente nos últimos anos, não fui capaz de mudar uma situação que eu via e entendia que era crítica.

Claro que eu não tinha o poder que precisaria ter para mudar tudo, mas admito que tenho uma parcela de culpa. E talvez agora, olhando de fora, fique mais fácil enxergar os problemas e o que estão fazendo de errado. Afinal, todo mundo sabe que às vezes é bom tomar uma certa distância para enxergar ‘o todo’. Além do que, de lá pra cá a coisa piorou muito.

Mas, dito tudo isto, qual seria a solução? Qual será o futuro do rádio no Rio? Na minha humilde opinião o futuro do rádio carioca, esse que está aí hoje, é nebuloso. Isso pra dizer o mínimo. Não vejo nada de novo sequer ameaçando acontecer, não vejo gente nova com capacidade para mudar nada, e os “de sempre” não estão mais preocupados com o futuro.

Imagino que o futuro será mais disso que está aí: rádios com cada vez menos profissionais, profissionais cada vez menos gabaritados, salários cada vez menores, e audiências idem. Com isso apenas uma meia dúzia de rádios vai conseguir sobreviver dignamente.


  NOVAS RÁDIOS  


Alguns tem esperança de que a entrada de novas rádios no FM com o encerramento do AM possa melhorar o mercado, mas eu não acredito. Se os donos de rádios não entenderem a importância de investir, nada vai mudar. Apenas teremos mais rádios que ninguém vai ouvir.

O que falta é coragem para tentar coisas novas e arriscar. É criatividade para inovar nos formatos que estão aí hoje. É interesse dos profissionais para fazer alguma coisa que possa, sequer, ameaçar suas posições conquistadas. O que é até fácil de entender num mercado ruim como o nosso.

Um exemplo: desde que a Nativa acabou já ouvi uns 3 ou 4 diretores de rádio dizerem que ‘pensaram em fazer uma rádio como a Nativa’, mas que não fizeram por um motivo ou outro. Ou seja: a Nativa era a única no segmento (que chamávamos de adulto popular) e ninguém aproveitou para ocupar seu lugar.

E a Nativa estava longe de ser a melhor rádio que se poderia fazer naquele segmento. Eu estava lá e sei muito bem disso! Portanto, alguém com coragem para arriscar e com capacidade de fazer bem feito (ou contratar alguém pra fazer), teria tudo para estar brigando pelos primeiros lugares hoje. Mas, em vez disso, preferem brigar com a mesma programação da FM O Dia.


  SEGMENTOS CONGESTIONADOS  


No segmento adulto temos a JB FM, a Paradiso, a Antena Um, a Alpha... Será que temos tanto público adulto, com certo poder aquisitivo, que ouve rádio no Rio? Ou será que não é aí que começa um círculo vicioso? Com a baixa audiência cai o faturamento, com isso diminuem-se os salários, os profissionais contratados ficam abaixo do nível...

Para encerrar, espero, de coração, que seja a última vez que alguém saia preso de um estúdio de rádio. Porque se há uma coisa importante para um radialista é sua imagem, sua credibilidade. A imagem pode até ser fabricada, pode ser um personagem, mas se não houver um mínimo de credibilidade, não deveria estar atrás de um microfone de rádio.

No caso do ex governador, além de todos sabermos os motivos que ele tem para estar numa rádio de ponta, além de ter manchado o nome do rádio com sua prisão, ainda teve a mentira deslavada que a rádio Tupi contou para seus ouvintes quando Garotinho foi levado pela Polícia Federal, dizendo que ele “estava sem voz e não conseguiu terminar o horário”. Será que o ouvinte é assim tão ingênuo???

Enfim, como diz o ditado, “cada um sabe onde o calo lhe aperta”.

De minha parte espero que este artigo tenha servido, pelo menos, para abrir os olhos de alguns que tem o poder e a capacidade de mudar esta situação. Ou, quem sabe, para iniciar uma discussão, um debate, um movimento, que possa resultar no resgate do rádio carioca. O rádio agradece, os ouvintes agradecem, o Brasil agradece.

Se você é radialista ou gosta de rádio, deixe seu comentário, diga o que você acha, se concorda ou se discorda. É assim, com uma discussão saudável, que se começa alguma coisa.

Comentários

  1. Muito boa análise. O rádio do Rio vive tempos de trevas...

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  2. Perfeita explanação, Zé Costa! Infelizmente, não há ousadia no rádio, as fórmulas usadas são sempre as mesmas e não há inovação. O futuro do meio parece terrível.

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  3. Ótima análise. Penso muito de acordo com o que li aqui. Nós, profissionais do rádio , temos a nossa responsabilidade diante desse cenário em que a profissão se encontra.
    É uma excelente reflexão.
    Gente preparada e competente temos , precisamos é de atitude e coragem de inovar, criar, não simplesmente se basear em fórmulas prontas de 30, 20 anos atrás, Como se fosse uma receita de bolo. O bolo solou .
    Abs.

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    1. É isso, Piedade. Acho que se a classe se unisse em torno deste objetivo a coisa poderia mudar. Mas... a quem interessa?

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